Matéria do Fantástico, veiculada
no dia 23 de agosto de 2015, revelou o triste retrato dos cursos de medicina no
País: mercantilização do ensino através de altas mensalidades, estruturas
precárias e, como consequência, profissionais mal formados.
Mas uma indagação surge: por qual razão chegamos a esse ponto? Uma das causas – que deveria ser uma das soluções
– está na facilidade criada pelo governo através do FIES, que possibilitou aos
alunos de baixa renda o acesso ao ensino médico em faculdades particulares, transformando
o curso de medicina num produto altamente rentável pela facilidade em receber,
baixa inadimplência, grande procura, enfim, tudo o que uma empresa precisa para
se manter lucrativa.
Não há aqui qualquer
contrariedade ao incentivo governamental aos alunos de baixa renda, assim considerados
pelos critérios fixados pelo MEC. A crítica é pela ausência de fiscalização
efetiva da qualidade dos cursos como mecanismo de controle do investimento
feito pelo estado. A omissão é, na verdade, a reafirmação de que o objetivo é atingir
índices quantitativos, não qualitativos. Tratar o ensino de saúde como mercadoria é o primeiro passo em direção ao fracasso.
Alie-se a tudo isso o
sucateamento das universidades públicas, a baixa oferta de vagas e um sistema
de cotas que, ao final, reserva a menor parte a alunos oriundos de escolas particulares e
de maior renda – não necessariamente de alta renda, em geral bem preparados, como informa o resultado
do ENEM de 2014 –, resultando em concorrências absurdamente elevadas,
propiciando a busca e a proliferação das escolas particulares, concorridas da mesma forma, muitas
de qualidade duvidosa. Afirmo que não sou contrário às cotas ou qualquer outra ação afirmativa. Sou contra o desperdício, a omissão, o engodo e a falta de respeito com a saúde pública.
Não precisamos somente de
mais médicos, sem qualquer trocadilho aos estrangeiros. Precisamos de mais médicos
qualificados para a o exercício da medicina. Não é aumentando a relação médicos
X população que tiraremos do Brasil a pecha de detentor de um dos piores sistemas
de saúde do mundo. Investe-se pouco no setor saúde – e mal –, cerca de 4% do
PIB, contra 8,2% no Reino Unido, por exemplo, destacando que nesse percentual
não estão incluídos os investimento com educação. Aliado a isso, o resultado
insatisfatório alcançado pelas instituições de ensino médico demonstra que em
matéria de investimento sem retorno público de qualidade o Brasil,
lamentavelmente, ocupa posição vergonhosa.
É um bom momento para repensar as
críticas que se faz a quem escolhe outros países para estudar medicina. Se
falta qualidade por lá, por aqui não é diferente. Por isso, ouso afirmar, ainda que discorde, que a
aplicação de exame semelhante ao Revalida aos estudantes brasileiros escancararia a verdadeira face do ensino médico no Brasil. O exemplo do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, que exige a aprovação em teste para a obtenção de registro médico, é um indicador que já deveria ter sido objeto de preocupação e providências mais enérgicas pelo governo.
É o Brasil, País de
dimensões continentais, a 6ª economia do mundo, apesar de estar às portas da 8ª posição, que
não tem nenhum curso de medicina dentre os 100 primeiros listados no Academic Ranking of World Universities in
Clinical Medicine and Pharmacy, divulgado em 2015. Poderemos até melhorar a
relação médico X população, mas estamos longe de um resultado satisfatório na
relação investimento público X qualidade na saúde.